terça-feira, 13 de novembro de 2007

Jornalista fala sobre a questão racial



No mês dedicado à Consciência Negra, temos uma entrevista com a jornalista e escritora Márcia Guena. A preocupação em diminuir os efeitos destruidores da desigualdade racial e valorizar a identidade do povo negro são as principais preocupações dela. Guena fala do preconceito racial que, para ela, ainda permeia as classes mais abastadas da sociedade brasileira e aponta suas visões do que seria viável para mudar este quadro. Ela fala ainda de sua exposição fotográfica Ecos de Dakar, que retrata o povo africano.

BLOG - A Bahia é o estado com a maior população negra do país. No entanto, a falta de acesso desta população aos bens sociais mais elementares é preocupante. Como você analisa esta disparidade?

Márcia Guena - Esta é uma herança do sistema escravocrata. A população de origem africana ficou à margem da sociedade no pós-abolição, sem ter garantia aos direitos civis básicos como moradia, educação, saúde e, principalmente, trabalho. Assim, a população de origem africana, desde o início do século XX caminha em desvantagem com relação aos não negros, com grandes dificuldades de acesso a questões básicas. Este quadro começa a ser pensado tardiamente. Assim, em pleno século XXI as populações de origem africana ainda moram em favelas, estudam em escolas ruins, não têm emprego e lotam as penitenciárias. O Estado nunca fez o que deveria fazer para reparar um erro fatal, que foi o de ter implementado políticas de exclusão: proibição de acesso à escola, proibição de cultos religiosos; racismo na incorporação no mercado de trabalho etc.
Assim, a disparidade continua. As políticas afirmativas ainda são insuficientes para cobrir este déficit. A saída é insistir nestas políticas e lutar permanentemente para a melhoria da qualidade de vida destas populações.

BLOG - A desigualdade social é clara, porém a luta dos movimentos negros tem crescido no sentido de evidenciar a Igualdade Racial e a valorização da cultura afro-brasileira. Qual sua participação nesta corrente?

Márcia Guena - Eu sou uma militante negra eterna, no sentido de que estou sempre discutindo estas questões na sala de aula, com amigos, com inimigos... Além disso, faço parte da Associação Cultural Quilombo Beiru, que edita o Jornal do Beiru, um projeto de jornalismo que tem por finalidade formar jovens afrodescendentes tanto profissionalmente quanto criticamente, com relação aos problemas enfrentados pela população de origem africana. Assim, acredito que posso contribuir um pouco com os movimentos negros, como prefiro chamar.
Recentemente fiz uma exposição com fotos do Senegal, com a finalidade de discutir a construção da identidade dos africanos na diáspora. A exposição passou pelo Centro Cultural da Caixa Econômica Federal e agora está na Penitenciária Lemos Brito, onde acredito que terá um papel central na discussão desta questão, afinal o público é um dos mais atingidos pela exclusão secular que atinge a população de origem africana.


BLOG - Guena, na sua visão, qual seria a melhor forma de inserir mais a população, o Poder Público e os meios de comunicação de massa na luta contra os crimes raciais?

Márcia Guena - O poder público deve tomar iniciativas pouco populistas que o aprofundamento das políticas afirmativas, em curto prazo, garantindo vagas de trabalho, nas escolas e faculdades para a população de origem africana. A longo prazo, as medidas são mais difíceis, já que passam pela distribuição de renda, oferta de emprego e aumento de vagas nas escolas, com garantia da qualidade de ensino.
O poder criado pelo tráfico de drogas é internacional, com grandes grupos envolvidos, no entanto são os negros pobres que estão pagando o preço mais alto.
Os meios de comunicação refletem as estruturas sociais, já que a elite branca é a proprietária das grandes redes. Os meios continuarão atuando de forma racista, veiculando apenas imagens de brancos nas capas das principais revistas e jornais. A positivação da imagem do negro tem acontecido de forma marginal, pequena e aos poucos vai ganhando algum espaço, mas este processo depende da inversão do sistema, o que acontecerá de forma muito lenta.


BLOG - Como já disse recentemente você lançou a exposição fotográfica Ecos de Dakar. O que te motivou a realizá-la, como ela esta sendo recebida pelo público e quais as expectativas e planos futuros para a exposição?

Márcia Guena - Acredito que já tenha respondido esta questão. O que motivou foi de fato a discussão sobre identidade. Espero mantê-la durante o mês de novembro na Penitenciária Lemos Brito e depois levá-la para um terreiro. Há também a possibilidade de levá-la para São Paulo, em maio de 2008 .


BLOG - Você acredita que a juventude pode ser um potencial para mudar a visão preconceituosa em relação ao povo negro, tão presente ainda no Brasil. Tendo em vista todas essas campanhas, projetos e políticas de promoção da Igualdade Racial nos dias de hoje?

Márcia Guena - A juventude negra sim. A branca não. Digo isso porque tenho visto posturas muito conservadoras da juventude branca. Eles não conseguem e nem fazem força para entender as origens do racismo e o grande mal que fez às populações de origem africana. Costumam condenar o sistema de cotas e tentam, em várias partes do país, inviabilizá-lo. Quem sente o racismo no Brasil é quem sofre. Portanto, acredito que a grande saída esteja mesmo nas mãos da juventude negra, que por sinal tem feito muita coisa através do movimento negro, do hip hop e de várias outras instituições que debatem a questão no país.
Acredito que houve um avanço significativo do ponto de vista institucional. O Estado criou instâncias para a promoção da igualdade que são fundamentais para a mudança deste cenário. Acho curioso que o Estado, em certa medida, está à frente da mentalidade média vigente, que está vindo a reboque.
Em Salvador há movimentos importantes, como o Movimento Reaja ou será morto, reaja ou será morta, o movimento negro unificado, a Unegro, os diversos grupos de hip hop, o Blacktude, o fórum comunitário de combate à violência, o Bando de Teatro Olodum etc.



*Márcia Guena é Jornalista com graduação e mestrado pela Universidade de São Paulo. No mestrado estudou a repressão no Cone Sul da América Latina. Publicou o livro "Arquivo do Horror. Documentos Secretos da Ditadura Paraguaia. São Paulo: Memorial da América Latina, 1996. É professora das Faculdades Jorge Amado e editora do Jornal do Beiru. Atualmente está concluindo o doutorado na Universidade Complutense de Madrid.
Foto 1: arquivo pessoal da jornalista.
Foto 2: exposição Ecos de Dakar.